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Ronnie Von - Ronnie Von - 1968


"A mesma praça, o mesmo banco As mesmas flores, o mesmo jardim..." (Ronnie Von) NÃO! Eu disse NÃO! Isso NÃO é Ronnie Von! Palavras do próprio, que gravou essa "marcha-rancho" muito que contra a vontade, mas foi um fenômeno de vendas. Os jornais da época noticiavam que haviam mais cópias do disco vendidas que quantidade de toca-discos vendidos no Brasil, até então. Mas voltemos no tempo... Ronnie Von, filho de família muito tradicional, de ótimas condições financeiras; era tido como o jovem que se tornaria o responsável pelos negócios da família. Cursou economia, mas não era lá bem o que ele queria. Seu pai, além de empresário, era diplomata e passava temporadas fora do Brasil, o que acabou por mesmo sem querer, ser de certa forma o responsável pelo início da carreira artística de Ronnie, o que viria posteriormente a abominar. A compra de LPs importados por aqui era algo de dificílimo acesso. As novidades lá fora demoravam muito a chegar aqui, mas aproveitando as viagens de seu pai, Ronnie Von que há pouco conhecerá os Beatles, pediu que seu pai trouxesse do exterior os álbuns dos quatro rapazes de Liverpool. O fato de ter álbuns que praticamente ninguém tinha por aqui, o levou a uma aproximação com uma banda que já fazia cover dos Beatles aqui no Brasil. Ronnie emprestava os álbuns, acompanhava os ensaios; chegando a cantarolar algo, mas nada oficial. O grupo realizou uma apresentação no famoso "Beco das Garrafas/RJ", onde Ronnie foi "obrigado" a subir ao palco e cantar uma canção que já haviam ensaiado. Foi sucesso! Tanto que um então jovem executivo que atende por João Araújo (pai de Cazuza e fundador da Som Livre), chamou Ronnie para gravar algo, mas o mesmo se viu muito reticente, pois sabia que aquilo não seria bem aceito em casa. Mas vamos voltar à temática do álbum em questão, só um pequeno e importante detalhe: - Há quem diga que viu passar por aí um tal "Ronnie Von versão: Jovem Guarda", me recuso a conhecer esse e vou além, o próprio também nunca se enxergou assim... Ronnie Von lançou no final da década de 60 e início da década de 70, álbuns que são tão tropicalistas, ousados, com letras tão "abusadas" tendo em vista os anos de chumbo; com um ar ultra psicodélico e... e... Genial! Outra associação aos Beatles. Havia uma "briga" entre os rapazes de Liverpool e a galera surfista dos Beach Boys, era um tal de um lançar álbuns para superar o outro até... Que os Beatles lançaram "Sgt Peppers" e Brian Wilson (líder dos Beach Boys) que já tinha um histórico de depressão, se afundou ainda mais ao ouvir a nova obra de Paul, George, Ringo e John; achando que nada de melhor poderia ser feito por eles. Bem! Não há nenhum registro, mas Caetano, Gil e Rogério Duprat, devem ter sentido uma dorzinha quando esse álbum de Ronnie Von foi lançado, pois Levy Damiano Cozzella, grande arranjador e gênio por trás dessa obra, conseguiu fazer algo que fracamente, acho que nem o trio de ouro e baluartes do tropicalismo conseguiram. Exagero nenhum dizer que esse disco de Ronnie Von é perfeito! O cara quis quebrar aquele arquétipo de bom moço, andava com um carinha chamado Arnaldo Saccomani (aquele mesmo dos programecos de jurados, que hoje só diz bobagens), que diga-se de passagem não tem "uma mão" mas as duas e talvez todo o corpo nesse álbum! Compositor de seis das doze canções, segundo Ronnie Von, Sacomani conseguiu expressar exatamente o que ele gostaria de fazer, se desgarrando do arquétipo de "O príncipe" (apelido dado por Hebe Camargo) e conseguiu de fato abdicar de grana, de ter ou não aceitação de seu público (e de fato não teve), mas fez o que queria e só pela coragem, merece todas as honrarias. Bem! Quanto a Saccomani me aventuro a dizer que foi abduzido ou morreu e aquele sujeito ranheta que se vê nos dias atuais, deve ser um sósia; tal como a "lenda" sobre a morte de Paul McCartney que segundo dizem tem até hoje um sósia no lugar. Parabéns ao "sósia", muito talentoso... O álbum começa com um monólogo seco e cru de Ronnie Von, sem base instrumental alguma, onde ele simplesmente diz que sequer sabe quem é e o texto é incrível, um prefácio para o que viria pela frente, a canção "Meu Novo Cantar". Eis que começa a sequência de maravilhas que Saccomani fez para esse álbum, a canção é dele. Os fãs do Ronnie "bom moço" devem ter ficado horrorizados ao terminar de ouvir o texto, que ao final já começa a mostrar que aquele não era o mesmo rapaz de antes, a começar pelas frases da guitarra distorcida, até que entra um orgão hammond, um naipe de sopros, cordas...

Cozella não economizou nos detalhes, fagotes, contrafagotes, oboés... Uma variedade incrível de timbres, instrumentos e tudo ficou muito, muito animal. A letra fala de mudanças, cita céu e inferno; alguém deve ter colocado o disco na capa e ido até a loja dizer que aquele não era um disco de Ronnie Von e talvez tenha até pedido a grana de volta, já que em relação a vendas, foi um total fracasso, mas e daí? Ronnie Von se libertou e fez o que de fato queria, mostrando total desapego financeiro e saíndo debaixo das asas da Jovem Guarda, que conforme já dito, nem era a sua onda. O antes "bom moço", havia de se tornar mais um "subversivo" que adotou a guitarra elétrica e distorcida, talvez aquilo fosse contagioso, e até se arriscou, podia ter entrado no hall dos perseguidos e talvez na mesma "barca" do show "Barra 69" que marcou a despedida de Caetano e Gil do Brasil, podia ter rolado uma vaga na primeira classe para Ronnie Von, pois esse aí eu duvido que os milicos e puristas queriam por aqui, mas ele acabou ficando, não me pergunte o "por quê". Eu sou um incondicional fã de Caetano, Gil, Os Mutantes (que chegaram a participar de trabalhos desse "new" Ronnie), mas esse disco foi uma pernada em todos eles, Ronnie Von tomou de assalto a Tropicália e só não está dentre os nomes citados quando se fala do movimento, por conta desse álbum ainda ser uma obra do conhecimento de poucos. Ronnie Von zombou, falou mal do que quis, urrou (literalmente em uma faixa), falou de sexo, álcool; no início de uma canção com o nome de "Anarquia" (isso mesmo!) o começo é uma hilária ligação telefônica em que Cozzella liga para o estúdio e pede para falar com Ronnie Von.

Antes de falar com o agora meliante musical (para a alegria dos amantes da boa música), a ligação passa pelas mãos de duas pessoas, uma ligação cheia de ruídos, até que Ronnie Von atende e Cozella o pergunta o que ele acha da M O D A, tendo como resposta: - Ahh, Cozzella! Eu acho que a moda já está fora de moda! E a canção segue falando em anarquia, em ir para as ruas, dizendo que a rua não pertence a ninguém que venha para atrapalhar, pintar as ruas de alegria, pouco ligando para quem quer "atrapalhar"; isso com uma guitarra com um fuzz e aquela boa e velha distorção suja e linda, que pouco tenho dúvidas que seja obra do lendário Lanny Gordin. Preciso dizer para quem essa canção foi endereçada com "carinho"? Não vou comentar o álbum na ordem! Tudo nesse álbum é fora de ordem e por isso é sensacional, quem sou eu para querer botar ordem? Porra! Por ra! Que isso?! Piração demais e uma piração maravilhosa, pois esse álbum é viciante e digo isso com conhecimento de causa, já que há bem mais de dez anos volta e meia me pego ouvindo inteiro. A ideia era um mix de música erudita, Tropicália, Rock and Roll, lisergia, psicodelia, protesto, rebeldia e de fato conseguiram chegar onde queriam, musicalmente falando e também no que diz respeito à críticas; por essas e outras sempre digo: - Que bom os censores eram burros, falavam coisas burras! Por um lado isso era terrível, pois como dizia a minha avó, achavam "chifres na cabeça de burro", mas por outro lado obras como essa de Ronnie Von, jamais teria passado se eles não fossem tão estúpidos. Em "Chega de tudo", o cantor exalta o hoje, um conceito hedonista, um convite a um "basta" de tudo que é ruim e a necessidade de viver o momento. Bota na conta do Saccomani, é dele! "Espelhos Quebrados" tem uma história bacana. A introdução é de fato com o som de espelhos quebrando, e como conseguiram isso? Da forma mais genuína possível, quebraram espelhos dentro do estúdio em meio à gravação. A canção fala em tédio, marcianos, devaneios e... É maravilhosa! Saccomani marcando mais um pontaço! "Menina de Tranças" é de uma beleza rara! "Seu riso você oferece a gente se esquece, da dor Demora o tempo o quanto é preciso Um sorriso é prenda que agrada Acena o laço da trança e abraça na dança o Amor..." Em "Nada de novo", a canção em que ele inicia com um urro, literalmente; é outra que abre um leque de opções do que pode ser a vida, simples assim! Ou complexo, talvez muito complexo, afinal viver só por viver e se permitir, não é para qualquer um, precisa ser louco e corajoso para isso. Quanto a letra, preciso transcrever na íntegra: "Minha tarde é feita de jornais E de revistas, do som dessas buzinas De sinais, dos filmes em cartaz Que vou fazer? Minha tarde é toda pelas ruas Da cidade, desse trânsito infernal De assalto a trens e bancos E a polícia não tem pistas Que terror é sempre assim Que vou fazer? Por isso minha noite pode ser, quem sabe Só de sexo, de bares, de jantares De jograis, de batidas ou de uísques nacionais A manhã enfeita meu silêncio Minha mãe me desperta Faz café pelo sinal Mas só me acorde quando o dia já for tarde É sempre assim, que vou fazer É sempre assim" E não acabou. A canção termina ao melhor estilo "Seresta", com aquela voz abafada e um violão acompanhando, onde Ronnie canta a primeira estrofe de "Lábios que Beijei", gravação original de ninguém menos que Orlando Slva. Mais uma grande sacada de Cozzela. "Silvia: 20 horas, Domingo" talvez seja o maior sucesso do álbum! Acho que pela vinheta genial que da início ao fonograma. Um anúncio de um bar, muito engraçado! A letra fala de algo que chega a ser idiota, mas uma sátira genial, um encontro que está marcado na agenda. Quem marca encontros e coloca na agenda? Musicalmente falando, a canção tem momentos fortes, momentos mais amenos e que se completam. Nessa canção Ronnie cita "Na mesma praça...", fazendo uma analogia à canção supracitada que ele odiou gravar, como se o encontro fosse na tal praça; fora os trechos em que grita "Meu bem", que talvez (puro achismo intuitivo), tenha algo a ver com a canção "Sua Estupidez" de Roberto Carlos, em que ele usa "Meu bem" inúmeras vezes. O álbum é tão abstrato que abre licença poética para "achismos". "Mil Novecentos e Além" é outra pérola de Saccomani. A canção tem um andamento maravilhoso, algo que remete às obras do mítico maestro italiano Ennio Morricone para os lendários filmes western de Sergio Leone, mas com um atmosfera altamente psicodélica. A letra é muito louca! Louca demais! Mensagens subliminares em toda a sua concepção, uma experiência altamente fora de qualquer plano astral. A passagem de faixa é uma emenda com o final da música anterior por meio do teclado, mal se sabe onde começa uma e termina a outra. "Tristeza Num Dia Alegre" é uma viagem espacial! Uma introdução altamente "Perdidos no Espaço", o apertar de botões de uma nave espacial e... Do nada alguém diz: "Varte, trás as porpeta", com um sotaque muito carregado e paulista da Mooca, Bixiga, Pompeia; italianão. Talvez seja a letra mais profunda dentro de um conceito social onde a visão de um mesmo intervalo de tempo é diferente para cada indivíduo, mesmo se tratando de um mesmo momento dentro da ligação com o tempo físico. A letra relata o fato de que enquanto uns se alegram, naquele mesmo momento outros sofrem, que naquele instante morre alguém. A música leva a essa reflexão de que além do "eu", há no universo tantos milhões de outros "eus", onde cada qual vive situações diferentes, a dicotomia entre o bom e o ruim, o incômodo com o fato de saber que em meio a alegria de uns, há a tristeza de outros. Sensacional... "Contudo, Todavia" a canção é muita informação para ser descrita, ouça e ponto! O álbum fecha com a canção "Canto de Despedida", mais uma assinada por Saccomani. Imagine um foxtrote reproduzido por uma bandinha marcial em um coreto de uma cidade interiorana. Imaginou? É por aí! Outra letra muito interessante, que mesmo com o ar de fanfarra, gera um sentimento de tristeza de que o agora daqui a pouco é passado. Que louco! Mas é real e analisando isso realmente bate uma certa melancolia, afinal é o desapego do que se está vivendo naquele momento em prol do que virá talvez nos próximos minutos ou segundos; logo! É triste parar e analisar que todos os momentos bons viram passado em um piscar de olhos. Se imagine pensar no inevitável fim de algo que se está vivendo e se tem a consciência de que já está para acabar, talvez ao acender ou ao apagar das luzes; bateu até uma depressão... (pausa para uma profunda reflexão sobre o final desse texto, está acabando, que merda! Eu escreveria mais, mas está chegando ao fim...) Já recuperado, ao menos por hora, que bom tudo aqui está fora de ordem, pois faltou citar a canção "Esperança de Cantar". A canção tem como destaque um belíssimo piano e uma guitarra fuzz que desenha belos fraseados, mas a letra mesmo é quase que de se matar, mas como tudo nesse álbum, é mais um momento de reflexão sobre a vida, nesse caso o "estar perdido", o não ter mais a alegria de outrora. Ronnie Von teve sérios problemas com a família, em especial seu pai, quando aceitou gravar o primeiro álbum e acabou por abandonar o Rio de Janeiro e ir para São Paulo, tamanho o desconforto familiar e a não aceitação do rumo que optou por seguir na vida, indo de encontro a tudo que "queriam" para ele. Essa canção fala um pouco da tristeza do resolver cantar e tudo que foi deixado por conta disso, ao mesmo tempo que fala da busca pelo caminho que se optou por seguir. Esse álbum é sem dúvidas uma das grandes pérolas da nossa música, perfeito em todos os aspectos, recheado de poesia concreta mensagens profundas, onde quem com muito cuidado ouvir e optar por se dar ao trabalho de ler atentamente a letra de cada canção, vai do céu ao inferno com uma tamanha facilidade, tal qual os ciclos de quem vive a bipolaridade e suas variações de emoções. Palmas para Ronnie Von, palmas para todos os envolvidos; esse álbum é atemporal e uma pena na época não ter sido compreendido...

Faixas:

1. Meu Novo Cantar (Arnaldo Saccomani)

2. Chega de Tudo (Arnaldo Saccomani) 3. Espelhos Quebrados (Arnaldo Saccomani) 4. Silvia 20 horas Domingo (Tom Gomes, Luiz VAgner) 5. Menina de Trança (Flávia, Hédis) 6. Nada de Novo (João Magalhães, Eneyda) 7. Esperança de Cantar (Chil Deberto, Eduardo Araújo) 8. Anarquia (Arnaldo Saccomani) 9. Mil Novecentos e Além (Arnaldo Saccomani) 10. Tristeza Num Dia Alegre (Newton Siqueira Campos, Vicente Paula Sálvia) 11. Contudo, Todavia (João Magalhães, Eneyda) 12. Canto de Despedida (Arnaldo Saccomani) EndFragment


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