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O Movimento Black Rio

Soul (alma em inglês) é um dos gêneros musicais que mais gerou desdobramentos e foi "padrinho" de muito do que se ouviu e ouve até hoje.

 

O gênero, que teve início no final da década de 50, é uma fusão entre o R&B (Rhythm and Blues) e do gospel norte-americano, tendo como destaque cantores negros, onde se pode dizer que os grandes precursores, antes passaram por corais de igrejas.

 

Aretha Franklin, Otis Redding, Al Green, Ray Charles, Sam Cooke (tido por muitos como o fundador do Soul); e tantos outros, tiveram seus primeiros contatos com a música na igreja e posteriormente ganharam a atenção da mídia como cantores astros do Soul.

 

No período em que o soul se solidificava no mercado, tendo como maior astro James Brown, os Estados Unidos passavam por períodos conturbados quanto ao lugar do negro perante uma sociedade branca e dominante, a segregação chegava a níveis extremos. A música ultrapassou as barreiras do entretenimento e ganhou notoriedade como uma das armas utilizadas por seus cantores, que passaram a usar muitas de suas letras como forma de protesto e apoio aos movimentos de liberalismo social, como era o caso dos "Black Panthers" (partido dos Panteras Negras), que foi uma organização política, revolucionária socialista, formada justamente para conscientizar os negros quanto aos seus direitos, em meio aos abusos e falta de respeito com a qual eram tratados, assim como para proteger a população dos atos de brutalidade dos policiais. Fora o fato de se colocarem no "front" de batalha, também realizavam trabalhos sociais com crianças, ofereciam cestas básicas e ganharam a simpatia e apoio de vários astros, brancos, tendo como um dos maiores exemplos John Lennon.

 

Esse conceito de luta por direitos, acabou por tomar proporções globais, surgindo ativistas pelos direitos das mulheres, dos gays, latinos; e uma série de grupos que buscavam lutar por ideais socialistas começaram a se formar em todo o mundo, como o grupo alemão Baader-Meinhof, Montoneros (Argentina); dentre outros, que não só lutavam pela situação que viviam em seus países, como contra o domínio norte-americano e Guerra do Vietnã.

 

Bem! Voltando ao tema original (não que eu tenha saído muito dele). O ritmo é dançante, contagiante, impossível ficar parado, até para aqueles que não se arriscam a dançar nada; mas para quem realmente estava ligado também nas letras, nas vestes e na temática que envolve a Soul Music, conseguia enxergar ali algo a mais.

 

Aquela cabeleira "Black Power", ia muito além de um senso estético, de modismo. Muitos não sabem, mas era um modo de afirmação, orgulho racial, identificação com a causa pela luta por direitos iguais e o orgulho de ser negro, as vestes, as expressões... Tudo tinha um por quê, e não demorou para que esse movimento e conhecimento da causa chegasse ao Brasil, por meio de poucos, já que estamos falando do período da ditadura e os únicos que incomodavam o governo regido pelos militares eram os intelectuais, brancos e de classe média; agora a história começa a ficar interessante...

 

Em meio a isso, o mercado fonográfico começou a se abrir para artistas negros. Wilson Simonal era um grande fenômeno, mas não tão engajado como muitos de seus demais colegas músicos, onde o seu único lampejo nesse sentido, foi gravar a canção "Tributo A Martin Luther King".

 

O mercado se abriu, mas houve quem pagasse caro pela fama, ou melhor! Pela fama, sendo negro.
O maestro Érlon Chaves, enquanto participante do "V Festival Internacional da Canção", defendendo a música "Eu também quero mocotó", ao final da apresentação, foi beijado por três mulheres loiras, foi acusado de assério moral, preso e torturado, na sede da DOPS. Se já não bastasse isso, Érlon namorou a na época estonteante Miss Brasil que atendia por Vera Fischer. Outro que também se viu em maus lençóis foi Tony Tornado, que defendeu no mesmo festival, a canção "BR-3" sendo o vencedor da etapa brasileira, tendo além disso se relacionado com a atriz Arlete Salles, branca, o que também o tornou alvo de investigações.

Esses dois artistas não eram o perfil  que o governo militar queria defendendo o Brasil no FIC...

 

Toni Tornado e Gerson King Combo, foram dois dos artistas que deram início ao movimento batizado de "Black Rio", conheceram os Estados Unidos, membros do Partido dos Panteras Negras e voltaram com o intuito de por meio da música, conscientizar a população negra, restrita às periferias, de que sim, tinham direitos e juntos podiam ser fortes.

 

O Samba teve o seu período de "militância", mesmo que inicialmente sem ter a intenção de tomar tamanha proporção.
A canção "Opinião", composta por Zé Keti para a peça teatral "Show Opinião", que contava com Nara Leão (posteriormente substituída por Maria Bethania, em seu primeiro trabalho, vindo diretamente da Bahia para integrar o grupo), João do Vale e o próprio Zé Kéti, era uma crítica ao governo do Rio de Janeiro, que tinha o intuito de acabar com as favelas, onde a letra dizia:

 

"Podem me prender
Podem me bater
Podem, até deixar-me sem comer
Que eu não mudo de opinião
Daqui do morro
Eu não saio, não

Se não tem água
Eu furo um poço
Se não tem carne
Eu compro um osso
E ponho na sopa
E deixa andar
Fale de mim quem quiser falar
Aqui eu não pago aluguel
Se eu morrer amanhã, seu doutor
Estou pertinho do céu"

 

https://www.youtube.com/watch?v=sRpcc65lQZE (Canção na voz de Nara Leão)

 

A canção ganhou o Brasil e virou uma crítica ao governo militar, que quatro anos depois veio a censurar a canção.


Quem eram os moradores das favelas e morros, em sua grande maioria? Negros, nordestinos; aqueles aos quais não era dado o direito a ter "Opinião".

 

Mas o samba virou pura alegoria, o viés político, meio que ficou por aí. O samba passou a ser objeto de cobiça dos turistas, o que levou os próprios sambistas, em sua grande maioria, a compor canções com outras temáticas e isso levou aqueles jovens que tinham o mínimo de interesse em ter um lugar ao sol, se posicionar e ser inserido na sociedade: a seguir a galera do "Movimento Black Rio".

 

O governo militar poderia sim, cercear os direitos, exilar, fazer de presos políticos; os intelectuais, mas...
E se a periferia se tornasse politizada e assim fossem para as ruas, ao invés de ficar confinados em seus pequenos espaços? Tudo que os militares não queriam. No ápice do governo Médici, talvez o ponto mais crítico de todo o regime militar, eles aceitariam de braços cruzados a ameaça de uma guerra urbana? Jamais!

 

Era esse tipo de protesto que essa galera queria fazer, era esse tipo de letra e atitude Black que começou a lotar os "Bailes da pesada" que começaram a surgir na época, tendo como grandes entusiastas os DJs Ademir Lemos e Big Boy.

 

Gerson King Combo, foi uma das figuras mais importantes dentro desse cenário.

Chocava por chegar com seu carrão, fazia seus discursos em meio à suas apresentações, até o fatídico show na quadra da escola de samba Portela, mais de 30 mil pesssoas lotavam o local à espera de uma grande evento, mas a policia federal chegou e antes mesmo que se pudesse começar  a festa, da maneira mais truculenta possí vel expulsou todos os presentes. Aquilo não foi um ato isolado, os militares estabeleceram uma verdadeira caça aos bailes "black", justamente pelo medo de em um mesmo lugar ter representantes das camadas mais carentes e desinformadas e que aquilo poderia se virar contra eles, caso aquelas pessoas soubessem como agiam os Panteras Negras, nos EUA, e podiam vir a tentar algo parecido aqui.

 

Gente como Tim Maia, em especial na sua fase viajandona "Racional", Wilson Simonal, Jorge Ben e alguns outros artistas negros que conseguiram seus lugares em grandes gravadoras e não tinham envolvimento com o movimento "Black Rio", não eram incomodados, não se passava de música para entretenimento, unido a isso, para a sorte dos militares, a soul music que deu origem a tantos gêneros, acabou por ser tomada pelo fenômeno da Disco Music, onde a Rede Globo lançou a novela Dancing Days, com uma penca de canções internacionais sem a mínima ligação com o engajamento político dos artistas já citados. Virou febre por aqui artistas que cantavam canções no mesmo formato e a legitimidade do movimento soul, unido aos ideais políticos, acabou perdendo forças...

 

Tony Tornado  enveredou pelos caminhos da dramaturgia, Gerson King Combo caiu no ostracismo e só de uns tempos para cá ganhou o status de cult, tendo o trecho de de uma de suas canções "Mandamentos Black", usado por Marcelo D2 na canção "Qual é", o que acabou por ajudar a garotada mais nova a conhecer o "Rei".

 

Mas ainda sobrou um pouco daquela galera, que já com o movimento Black Rio sem o intuito real que era mudar um pouco da realidade do negro, culmimou em um apanhado de músicos, liderados pelo saxofonista Oberdan Magalhães, que deu origem à

"Banda Black Rio", daí pra frente virou apenas boa música, boa não, muito boa... Onde foi lançado o álbum "Maria Fumaça" que será publicado em breve no site...

 

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