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Luiz Octavio Bonfá Burnier - Tavynho Bonfá

Cantor, compositor, arranjador, guitarrista e violonista

Vire o Vinil - Sua ligação com a música se deu diretamente por intermédio de seu tio (Tavynho é sobrinho do grande violonista Luiz Bonfá)?
Apenas o via e admirava ou chegou a ser iniciado na música por ele de maneira prática, teve aulas...

Tavynho Bonfá - Eu devia ter uns cinco/seis anos e ele visitava minha casa, nós tinhamos um piano, e ele tocava para mim e minhas irmãs. Eu sempre gostei da música que ele nos passava, mas muito mais do que só música, ele passava o espírito da música, que acabou passando mais pra mim, por mais que eu tenha uma irmã maestrina. Esse espírito me fez sonhar que um dia eu estaria dentro de uma orquestra, e isso aconteceu, tocando e é esse sentimento que chamo de "espírito da música".

VoV - Mas nunca de maneira direta ele ao notar seu interesse, chegou a ensinar algo?

TB - Nunca! Ele tocava, eu ficava muito curioso e perguntava:

- Tio! Como é isso aí?

E ele não falava.

- Pode repetir essa frase?

E ele virava de costas e tocava.

Isso é curioso! Ele estava treinando meu ouvido, só que eu não sabia, achava que ele estava de sacanagem; mas depois eu percebi que na verdade ele estava mesmo era me ensinando. Ele lia muito bem, tocava muito bem, foi um grande concertista.
A ligação dele com a música popular e a música clássica era um lance doido e ele acabou passando um pouco disso pra mim, não me ensinou formalmente, mas me explicava algumas coisas, só que não tinha muita paciência para isso. Ele achava que eu tinha que estudar coisa que só fiz a partir dos 14 anos, quando já tocava muito bem; mas fui expulso da orquestra, coisa que quase ninguém sabe...

VoV - Como foi isso?

TB - Primeira vez que entrei em um estúdio, foi por meio do meu professor de música e harmonia que era o Luiz Carlos Ramos, que hoje toca com o Chico Buarque, com quem eu e o Cláudio Cartier também já tocamos; e ele sendo meu professor me disse:

- Tavynho! Tem uma gravação amanhã, vão precisar de dois guitarristas e eu serei um deles.

Ele sabia que eu era apaixonado por isso! Queria tocar, gravar; mas eu não lia muito bem. Eu devia ter dito que NÃO, mas eu sou afoito e disse:

- Beleza! Tô nessa! Sou eu! O outro cara!

Quando chegamos lá, se não me engano o regente era o Mario Tavares, regente de música clássica, orquestra sinfônica, exigente... O cara escreveu tudo em nota e não tinha cifra. Naquele tempo já começavamos a estudar cifras, que veio da Alemanha e facilitava a parada. Mas não! Era tudo nota, tudo "cachinho de uva" (partituras), daí eu falava:

- Luiz Carlos. O que é isso? (sussurando)

- É aquele Lá maior que você faz, rapaz, está cansado de fazer esse Lá maior...

Eu não conseguia ver aquilo, dai guardei na cachola o que podia e vi o cara da área técnica pegar um disco imenso de cera, botar no pick-up, pegou algo que parecia um braço com um prego e fez sinal para o maestro que disse:

- Senhores, vamos lá!

E regeu! Chegou na hora da guitarra e "pin pin pin" (imitando com a boca a sonoridade das notas erradas que estava fazendo) e o maestro grita:

- PARA!!!!!!

Bateu a vergonha! Daí o maestro diz:

- Oh garoto! O que tu está lendo ae? Está entendendo bem esse acorde aí?

- Eh! Bem! Beleza maestro, tudo bem!

Daí o cara da parte técnica pega aquele disco, quebra na perna, bota outro, bota a agulha de novo e o maestro conta até quatro e manda outra vez... E errei de novo! O cara lá de dentro quebrou outro disco, pegou um novo e o maestro me perguntando o que estava acontecendo e eu já estava azul (muitos risos), daí na terceira vez, tudo de novo; daí o maestro vem e diz:

- Oh garoto! Você vai dar a licença para trabalharmos? Por favor queira se retirar da orquestra...

Botei a guitarra na case e fui arrasado pra casa. Hoje eu penso que se não amasse tanto a música como amo, ali teria desistido, mas não... O que aconteceu? Entrei no meu quarto e não saí durante dois anos, ficava o dia inteiro lendo e tocando, lendo e tocando... Nessa eu emburaquei em arranjo, composição, orquestração; Daí pensei:

- Só saio dessa porra para gravar (mais risos)

Daí saí para gravar com Gal Costa, The Fevers, o cantor italiano Sergio Endrigo, Elizeth Cardoso, Chico Buarque; naquela série "Homenagem ao malandro", sou eu de violão, mas não segui por ter uma carreira solo, daí chamaram o Luiz Cláudio Ramos, mas quando um músico vira solista e se "independiza", ele perde um pouco de espaço, mas perdi pouco...

VoV - Muito boa a história, boa agora, triste na hora...

TB - Ah sim! Mas se ele não me expulsa eu não teria estudado e ia seguir confiando apenas no ouvido. Mas quase que eu morri ali, o cara me expulsar da orquestra é sacanagem. (e mais risos) Depois pedi desculpas ao Luiz Cláudio, mas fui afoito...

VoV - Você fez parte da "Orquestra Som Livre (orquestra montada pela Rede Globo/Som Livre, responsável pela gravação de temas para grande parte de novelas e programas da grade da emissora)?

TB - Fiz sim! Mas como produtor maestro, não como músico.

VoV - Sempre tive dúvidas sobre a Orquestra Som Livre, nunca localizei os créditos.

TB - Nós tinhamos uma orquestra inteira lá, mas quem era o arrigimentador das cordas era o Penteado, de viola, ele que chamava a galera que era da sinfônica ou da Brasileira, piano as vezes era o Marinho e as vezes o Fernando Merlino, contrabaixo eu não lembro, mas também eram dois que revezavam, tinha um guitarra muito bom que era o Ary Piassarollo, Fernando na bateria; Difícil lembrar todo mundo.

VoV - Você pegou o período da gravação do tema de "O Bem Amado", da gravação do tema do "Fantástico" com a Vanusa...

TB - Sim! Tudo isso! No tema do Fantástico eu toquei ou cantei, não lembro. O arranjo é do Guto Graça Melo, que foi o cara que ficou mais tempo à frente desse trabalho.
Eu já botei o Roupa Nova para gravar lá, eu chamava eles para gravar a base e rolava um certo ciúme na galera, o que também onerava a folha e puxavam minha orelha.

VoV - Mas eles já eram o famoso Roupa Nova ou bem no início?

TB - Um pouquinho antes do "Clarear" (composição de Tavynho e Mariozinho Rocha), depois que eles estouraram ninguém mais chamou, muito caro.

VoV - Como se deu a reunião com a galera do "Aquarius"? Tratava-se de um grupo já conhecido e que se uniu ou a banda foi formada para acompanhar o cantor Luiz Antonio apenas por conta desse projeto?

TB - Não! O Luiz Antonio, assim como eu, fomos convidados. Na verdade existia um conhecimento do baterista, que era o Raymundo Bittencourt, com um empresário espanhol e ele tinha um grande aparato e tinha uma boate dentro, imagino que foi isso, e pensaram em montar o conjunto para bombar lá; daí o Raymundo que conhecia a galera da música e juntou.

VoV - O álbum foi gravado em Barcelona. Foi uma opção do grupo gravar fora do Brasil, o mercado nacional não mostrou o devido interesse e surgiu essa oportunidade na espanha ou a ideia surgiu por conta do conturbado cenário político, daquele período, e todas as restrições ditadas aos artistas?

TB - O projeto foi iniciado aqui. Chegamos a gravar alguma coisa. Na verdade a história toda começou bem antes. O Raymundo Bittencourt, que é muito inteilgente, construia estúdios e construiu um que a Globo e a Som Livre, compraram. Ao lado foi construido um puta prédio onde o João Araújo tornou o da Som Livre, e nós passamos a fazer uso desse estúdio, isso antes do Brasil Aquarius, quando eu tinha 19 anos, depois disso fomos para Barcelona, precisei da autorização do meu pai, fiquei lá até os 21 anos quando gravamos o álbum "Luiz Antonio y Aquarius".

VoV - Então a trupe toda ficou lá por dois anos?

TB - Sim! E morando no mesmo apartamento, uma cobertura enorme, uma cobertura incrível. O Luiz Antonio tinha o quarto dele, a Érica o dela... E todo mundo se encontrava na cozinha à noite. (risos)
O que nos levou para lá foi mesmo a oportunidade. Tocamos muito por lá!

VoV - Como foi feita e escolha do repertório, para o álbum "Brasil", em especial canções que faziam grande sucesso, no mesmo período nas vozes de outros artistas.

TB - O diretor de repertório era o Raymundo Bittencourt, ele pegava e dava as sugestões. Ele tinha uma visão muito abrangente. Um visionário!

VoV - Os arranjos são maravilhosos! Houve, em especial, a regência de alguém que conduziu o caminho a ser seguido ou foi um processo onde cada qual teve mais espaço para fazer uso de sua atmosfera criativa e influências? "Água de beber" e "Sonhos", em especial, ficaram muito loucas.

TB - O Raymundo Bittencourt escrevia as bases e eu os complementos. A maioria das ideias saiam da cabeça dele.

VoV - Você chegou a ter conhecimento de como foi a recepção dos artistas que antes haviam gravado as canções e seus compositores? Levando em consideração que com toda franqueza, ao meu ver muitos dos arranjos de vocês deram de lavada nos orginais.

TB - Olha! Ao menos que eu saiba, nunca tivemos um feedback para saber se gostaram ou não. Por exemplo! Eu conheço o Egberto Gismonti, gravamos "Sonhos", e ele nunca disse nada.

VoV - Quais e quantas guitarras e pedais você lembra que utilizou? Confere a história de que uma das guitarras foi comprada e só depois você soube que pertenceu ao Robert Fripp (guitarrista do grupo do King Crimson) e talvez por ele ser um músico extremamente experimental, talvez tenha feito "N" mudanças no instrumento?

TB - Verdade! A guitarra era muito louca! Totalmente mexida e eu comprei a guitarra sem saber que havia sido roubada do Robert Fripp, no palco. Fantástica a sonoridade! E o pior é que depois vendi por uma ninharia. Usei também uma semi-acústica e um violão.

VoV - A sonoridade que você tirava daquelas guitarras, estava muito à frente do seu tempo. Sem recursos digitais, em tempos onde o uso do pedal wah wah não era tão difundido, os recursos extraídos dos pedais e tudo isso aos 21 anos.
Fora que ou sua palhetada é muito perfeita ou você de fato não usa palhetas.

TB - Eu sempre fui muito cuidadoso com meu som. Eu só tinha quatro pedais. Um flanger e chorus, um de volume, um reverb e um wah wah que ninguém usava naquela época. Quanto a palhetas, eu realmente não uso.

VoV - Nem nas canções onde requer uma levada mais rápida, que exigem mais da mão direita?

TB - Mesmo assim! Uso a unha! Tenho uma técnica. Fora uma técnica para tirar ruídos; Não tinha recursos digitais para limpar depois.

VoV - E o processo de gravação?

TB - O "Brasil" foi gravado inteiro em três dias. A maioria das faixas eram gravadas de cabo a rabo, tudo no pau! O cara armava na mesa quem era no stereo, onde ia ficar todo mundo e manda porrada, todo mundo junto.

VoV - Puta merda! Sensacional! E que voz tinha o Luiz Antonio, né... A voz da Érica também é muito bonita.

TB - Sim! Ele cantava demais! Muito louco! A voz dela também é muito legal.

VoV - E como esse período chegou ao fim?

TB - Então! No final do período, a polícia bateu lá e pegou todo mundo com o passaporte furado, ou seja! Já havia passado o prazo! Daí fomos convidados a nos retirar do país.

O que aconteceu foi que o Luiz Antonio foi para a França, se juntou ao Rolando Faria e criaram o "Les Étoiles", o Raymundo voltou antes para o Brasil e deixou um segundo baterista, que foi para a África do Sul. O Raymundo era muito organizado, ele não ia furar com o passaporte, mas nós vacilamos. Daí dando continuidade, O Walmer que já tinha uma namorada na Espanha, casou e ficou por lá, o Leonardo também casou com um alemã e ficou pela Europa, a Erica se mandou e acho que foi direto para os Estados Unidos e eu fui para uma fronteira e carimbei o passaporte, voltei, me juntei a uma companhia de teatro. Fizemos uma tour por todo o norte da Espanha.

VoV- Como assim esse lance com o teatro?

TB - Então! Eu precisava arrumar um emprego, vi no jornal que ia rolar um teste para essa companhia, não vou voltar para o Brasil. Daí fui fazer o teste e cheguei lá, toquei pra cacete e o cara disse:

- Para! Só preciso de três acordes, tu já fez uns vinte!

(Muitas risadas) E aí fiquei com a vaga! Eu entrava no palco para tocar tarantella com roupas do século XV (risadas)
Toquei seis meses por lá!

VoV - Há um álbum de 1976, intitulado de "Aquárius", que já não contava com Luiz Antonio (que já estava envolvido com a dupla que formou, "Les Étoiles") e sem Erica Norimar (que creio já estava nos Estados Unidos). A pegada é bem diferente. Presença de metais, arranjos bem distante da pegada forte do álbum "Brasil".
Fora os citados, você participou? O restante da galera também?

TB - Sim! A mesma galera! Só faltaram mesmo os dois. Esse álbum nem foi lançado no Brasil. O Raymundo quis gravar outro disco e acabamos fazendo.

VoV - Falando agora do seu outro projeto, "Burnier & Cartier". Durou quanto tempo? O que levou ao fim?

TB - O projeto durou cinco anos. Após uma temporada na Austrália, voltamos ao Brasil e não marcamos de fazer mais nada, daí a ideia foi morrendo. Eu ligava, ele ia adiando...

O Almir Chediak tentou reviver a dupla em um disco do Ed Motta, logo depois ele foi assassinado e aí mesmo que não rolou. Eu comecei a fazer outros trabalhos e hoje, para ser honesto, nem sei se o Cartier ainda faz música.
Quem gravava muita coisa dele era o Emílio Santiago, eu só vi que ele voltou ao cenário na época em que ele gravou "Saigon" (Cartier). Diga-se de passagem eu lancei o Emílio Santiago.

VoV - Sério? Como foi isso?

TB - Eu o lancei com uma música chamada "Vida Maré", uma música minha com o Ivan Wrigg, e fui diretor musical dele durante um ano e pouco, quando ele fez uma temporada no teatro Ipanema. Fui junto, toquei e quando acabou a temporada, ele seguiu.
 

VoV - Para encerrar, desde já agradecendo muito por ter me recebido, contando tantas histórias, mostrado fotos, servido um bom café e enriquecido, ainda mais, meus conhecimentos sobre a nossa música; assim também como o de todos que vão ler e sem duvidas gostar bastante desse nosso bom bate papo.
Dentre os álbuns que você gravou, como músico, de quais artistas destacaria como mais importantes?

TB - Ana Belém, Fafá de Belém, Emílio Santiago, Nana Caymmi, Sérgio Endrigo, Burnier & Cartier I e II, assim como o III e IV, que saíram na Austrália, claro que o Brasil Aquarius...

Aquele disco ali, o "Bonfá" (e aponta para a parede, mostrando a foto de um álbum de seu tio Luiz Bonfá), foi o penúltimo disco dele. Esse disco, eu estava no estúdio, só estava o técnico, o produtor que era um alemão havia saído e meu tio disse:

- Tavynho, estou um pouco cansado, da para você gravar pra mim essa música? "Passeio no Rio"

- Mas esse disco é de violão, é seu, solo...

- Você toca igualzinho a mim. Vai lá e toca essa merda que estou de saco cheio...

Então sou eu tocando essa música, caralho! Ninguém nunca fez isso... (Muitas, muitas risadas). Ninguém nota, só eu, que sei...


E assim encerramos um ótimo papo em uma tarde ensolarada do dia 07/01/2015, no Bairro de Botafogo


















 

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