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Arnaldo Baptista - Lóki? - 1974


Arnaldo Dias Baptista, sem duvidas o cérebro por trás da musicalidade do lendário grupo "Os Mutantes". Sua carreira começou no início dos anos 60 com o grupo "The Thunder", onde posteriormente com a entrada de seu irmão, e guitarrista, Sérgio Dias e bem depois, a partir da junção de duas bandas, a entrada de Rita Lee, formando o grupo "Six Sided Rockers", que veio a ser o embrião do que viria a se tornar "Os Mutantes". Já com a formação contando apenas com Rita, Arnaldo e Sérgio; acompanharam Gilberto Gil, no ano de 1967, durante o "III Festival da Música Popular Brasileira", da TV Record, defendendo a canção "Domingo no Parque". Eis que o grupo se viu literalmente dentro, e como parte importante, do que viria a ser a Tropicália. Por conta de compromissos, já com a formação de "Os Mutantes", e a necessidade de uma emancipação, por conta das tantas viagens, Arnaldo e Rita se casaram e após certo período o matrimônio chegou ao fim. Chego a crer que após esse ocorrido, muita coisa mudou na vida de Arnaldo, dando início a períodos tortuosos, inclusive envolvendo o alto consumo de drogas, mas ainda assim, o gênio Arnaldo existia ali dentro, mesmo que ofuscado por tantos acontecimentos. Rita Lee "sai" do grupo, "Os Mutantes" gravam o álbum "A e o Z" e colocam em prática todo o experimentalismo extraído de uma infininidade de influências, o que gerou canções longas e extremamente progressivas. Algum tempo depois Arnaldo se desliga do grupo e da início a carreira solo, justamente a que no ano de 1974, gerou a pérola sobre a qual abordarei nesta postagem, "Lóki?". Loki é o grande clássico de sua carreira, um álbum que emana musicalidade, mas ao mesmo tempo mostra um Arnaldo extremamente melancólico, onde por meio das letras que falam sobre sexo, drogas, ôvnis e principalmente solidão; ao que parece tem um profundo inconformismo pelo fim do casamento com Rita Lee. Arnaldo teve, posteriormente, sérios problemas psiquiátricos, chegando a ser internado por conta disso, o que acabou por culminar em uma tentativa de suicídio. Este álbum soa como um grito desesperado do momento em que Arnaldo vivia e o mal que estaria por vir, mas ainda assim, imerso nesse mundo interior e altamente perturbado, conseguiu lançar um álbum que hoje é aclamado e foi tido como um dos melhores lançados na década de 70. O álbum começa com a melancólica, mas muito bem executada, "Será que Eu Vou Virar Bolor?". "O que é isso, meu amor? Será que eu vou morrer de dor? O que é isso, meu amor? Será que eu vou virar bolor?" A canção conta com um excelente trabalho de piano, gravado pelo próprio Arnaldo. O início é bem ameno e intimista, tendo apenas a voz e o piano, entoando versos que falam exclusivamente de amor (como os citados acima), até que com a entrada dos demais músicos, a canção começa a ganhar uma pegada diferente e aos poucos vai ganhando vigor até virar que flerta com o Rockabilly somado ao rock and roll, ao melhor estilo Elvis Presley e Little Richard. Isso é só o início dos experimentalismos que esse álbum apresenta. A exemplo da primeira canção, "Uma Pessoa só", também tem em seu início destaque para a voz e um piano que nesse caso adota uma fórmula extremamente clássica. Como o título já diz, a canção fala de solidão e mais uma prova dos sentimentos que acometiam Arnaldo naquele período. Nesta canção fica perceptível não só o dedo, mas a mão inteira de Rogério Duprat, fazendo os arranjos de orquestra e conduzindo assim os naipes de sopros e metais, tornando essa uma das canções mais belas, harmonicamente, do álbum. Nos trechos finais da música, Arnaldo utiliza exatamente uma parte extraida da canção "A e o Z", gravada ainda nos tempos de "Os Mutantes": "Eu sou o começo, sou o fim Sou o “A” e o “Z” Todos juntos reunidos Numa pessoa só" Em "Não Estou Nem Aí", Arnaldo mostra tamanha indiferença com a vida, zombando da morte, zombando da sorte; dizendo que quer apenas "decolar toda manhã". Essa frase pode ser realmente uma alusão ao período imerso em drogas, somado à depressão que Arnaldo vivia. Há um trecho em que ele fala em "esquecer os males", não é a toa que dizem que esse álbum foi feito após um suposto ataque nervoso... "Vou Me Afundar Na Lingerie" é uma canção puramente sexual. É a total entrega ao prazer e viver isso no limite: "Ainda bem que agora eu não tenho cabeça Ama-me ou deixe-me em paz Imagine só Xuxu beleza Tomate maravilha É a última moda" Soa como um momento em que Arnaldo parece tentar se desprender dos sentimentos aos quais vivia aprisionado e os fazia sofrer, se entregando à vida livre, novas experiências afetivas; como citado em um outro trecho: "Tô deslanchando, pé embaixo, baby...", pura fuga, uma fuga musicada e que deu origem a esse belo tema, que ficou bem com a cara da sonoridade que fazia nos tempos de "Os Mutantes". "Honky Tonky (Patrulha do Espaço)" é uma peça escrita apenas para piano e que mostra toda a evolução musical de Arnaldo, como pianista. O antes baixista (e bom baixista) realmente se encontrou entre as teclas e criou esse tema complexo e altamente técnico, dando ao álbum esse momento que flerta entre o clássico e o progressivo (que andam lado a lado). Puro virtuosismo. "Cê Tá Pensando Que Eu Sou Loki?" é não só o ponto mais alto do álbum, mas talvez o que de mais original, insano e maravilhoso; Arnaldo criou em toda a sua carreira. Não podemos nos esquecer que estamos falando de Arnaldo Dias Baptista, líder de uma das bandas mais inventivas e aclamadas de todos os tempos, mas não se pode desprezar o talento de Rita e Sérgio e o quanto participaram do processo criativo em "Os Mutantes", já nessa canção que é loucamente genial, trata-se de uma obra apenas de Arnaldo, mostrando que a sua genialidade e versatilidade não tem fim. A canção tem ares de Samba-Rock, onde Arnaldo mostra toda a versatilidade de sua voz. Rogério Duprat fez um belíssimo trabalho de orquestração nessa canção, os naipes de cordas utilizadas em momentos cirurgicos, nuances perfeitas, somados a um Arnaldo inspiradíssimo em seu piano e uma letra que é louca demais... "Cê tá pensando que eu sou loki, bicho? Sou malandro velho Não tenho nada com isso A gente andou A gente queimou Muita coisa por ai Ficamos até mesmo todos juntos Reunidos numa pessoa só Cê tá pensando que eu sou loki, bicho? Eu sou velho mas gosto de viajar por aí Cilibrina pra cá Cilibrina pra lá Eu sou velho, mas gosto de viajar... Cê tá pensando que eu sou loki, bicho? Sou malandro velho Não se mete no enguiço" "A gente queimou, muita coisa por aí" ou "Eu sou velho, mas gosto de viajar..." Da para ser mais escrachado e de maneira tão singular? Nesta canção temos um Arnaldo abusando dos graves em sua voz, dando um ar caricato e assim nos presenteando com está obra prima da nossa música, perfeita. "Desculpe" é a canção mais pesada do álbum! Sem dúvidas escrita de ponta a ponta para Rita Lee, se tratando de um pedido desesperado de desculpas, o ponto onde um Homem assume todos os erros cometidos e sem o mínimo de pudor grita para que o mundo ouça o quão aflito se encontrava ao ver que tudo havia acabado... Uma vibe altamente melancólica, desesperada. Aquele momento em que não se vê mais o que fazer, se pega um bloco de papel e se sintetiza em poucas palavras toda a angústia que se pode viver... As três últimas canções do álbum, seguem essa linha de amor, desespero, descrença com o futuro que o aguarda, arrependimento, autopiedade... Mas tudo isso com o toque genial de Arnaldo. Eis a prova de que o sofrimento pode levar sim ao virtuosismo. Esse álbum merece ser escutado em um todo, apenas tendo o cuidado, pois pode ser uma faca para os corações mais fragilizados... Hoje Arnaldo vive recluso em seu sítio, no estado de Minas Gerais, se recuperou graças ao amor de uma fã que se tornou esposa, mãe, amiga, companheira e deu um novo sentido à vida desse Homem, uma segunda chance de em meio a tudo que sofreu e aprendeu com os erros cometidos, se tornar uma pessoa melhor. Houve um "retorno", de "Os Mutantes", que ao meu ver não passou de um projeto caça-níquel, idealizado por seu irmão Sérgio Dias. Arnaldo chegou a participar do início do projeto que contava também com Dinho (baterista original), já que Liminha se recusou a participar e Rita acho que nem preciso citar qual foi a resposta. Esse período durou pouco, logo Arnaldo se afastou e voltou para a sua vidinha pacata, pintando seus quadros e vivendo toda a calmaria merecida, após tantos episódios turvos que marcaram sua vida. Há um documentário chamado "Loki", do ano de 2008 e dirigido por Paulo Henrique Fontenelle, que conta com riqueza de detalhes a vida e obra de Arnaldo, sem omitir nada, recheado de depoimentos, inclusive do próprio. Vale muito ver, realmente emociona... Vida longa para Arnaldo...

Faixas:

1."Será que Eu Vou Virar Bolor?" (Arnaldo Baptista)

2."Uma Pessoa Só" (Arnaldo Baptista / Dinho Leme / Liminha / Sérgio Dias)

3."Não Estou nem Aí" (Arnaldo Baptista)

4."Vou Me Afundar na Lingerie" (Arnaldo Baptista)

5."Honky Tonky (Patrulha do Espaço)" (Arnaldo Baptista)

6."Cê Tá Pensando que Eu Sou Lóki?" (Arnaldo Baptista)

7."Desculpe" (Arnaldo Baptista)

8."Navegar de Novo" (Arnaldo Baptista)

9."Te Amo Podes Crer" (Arnaldo Baptista)

10."É Fácil" (Arnaldo Baptista)

Músicos:

Arnaldo Baptista: piano, órgão, clavinet, sintetizador, violão de 12 cordas e vocal

Liminha: baixo

Dinho Leme: bateria

Rafa: baixo


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