Antonio Carlos & Jocafi - Mudei de Ideia - 1971
- jonnnasci
- 26 de jan. de 2016
- 5 min de leitura

Se eu tivesse que definir o som dos baianos Antonio Carlos e Jocafi, eu diria que se trata de "Uma usina experimental". Tamanha a versatilidade desses dois grandes artistas e que infelizmente hoje não ganham na mídia o lugar que sequer deveriam um dia ter perdido...
A junção desses caras é uma das mais maravilhosas químicas já formadas em toda a história da MPB, sem sombra de duvidas! O que produziram, em especial na década de 70, é grandioso e pode muito bem se ter uma ideia por meio deste álbum, que na minha opinião foi o ápice da atmosfera criativa dessas duas mentes brilhantes.
"Mudei de ideia" precisa estar na lista de álbuns que qualquer indivíduo precisa ouvir antes de morrer. Que tenha a sorte de ouvir e viver ainda muitos anos, pois é impossível ouvir apenas uma vez e deixar de tentar ao menos entender o que devia se passar pela mente desses caras quando criaram essa maravilhosa miscelânea sonora.
O álbum abre com um clássico da nossa música, uma canção que todo cantor de karaokê adora, toda roda de samba já tocou ao menos uma vez e sim, você com certeza já ouviu na vida, podendo até não saber de quem era; mas agora sabe. "Você abusou"
Um sambinha daqueles bem gostosos de ouvir, o violão e o cavaquinho da dupla, uma cuica e um naipe de cordas tornando tamanha a riqueza harmônica desta canção.
A letra é uma das mais belas dentre tantas e tantas que abordam o amor e o sofrimento que por vezes o mesmo causa. Ok! Genial? Não! Divino:
"Mas não faz mal
É tão normal ter desamor
É tão cafona é sofredor
Que eu já nem sei
Se é meninice ou cafonice o meu amor
Se o quadradismo dos meus versos
Vai de encontro aos intelectos
Que não usam o coração como expressão..."
Existe explicação melhor? Outra definição para o desamor melhor do que essa? Eu desconheço!
Na segunda faixa, "Se Quiser Valer" começam a aparecer outras características pecualiares à dupla. Os vocalizes inusitados e geniais e a presença forte das guitarras altamente distorcidas.
Outro destaque para essa canção é a presença forte de um orgão hammond marcando o tempo da música de maneira magistral.
A terceira faixa é conhecida, mas não reconhecida como obra da dupla, já que foi outra grande sacada do sempre antenado Marcelo D2.
A canção "Kabaluerê" é utilizada como música incidental na conhecida "Qual é", um dos maiores sucessos do rapper mais sambista que nós temos.
"Essa marra que tu tem qual é?
Tira onda com ninguém qual é? Qual é neguinho? Qual é?"
A música tem dessas coisas! Nem sempre a criação é associada, por muitos ao criador; mas agora você já sabe, "neguinho".
A canção "Conceição da Praia" tem uma levada bem regional, flertando com ritmos nordestinos e contando com a inconfundível "Voz de garganta" (aquela voz rouca, rasgada, forçada intencionalmente), onde tem pontos em que a dupla brinca com os vocalizes, sempre muito bem encaixados no contexto da música. As variações rítimicas são lindas, suaves, de bom gosto; como tudo que a dupla produz, ainda mais se tratando de um álbum 100% autoral.
"Hipnose" é uma canção em que a presença do piano é um dos pontos fortes, um piano pesado, seguido por um coro, que segue os momentos em que Antonio Carlos e Jocafi revezam nos vocais. Como hábito constante da dupla, a canção tem variações rítímicas muito interessantes, chegando um momento em que se ouve apenas o som do triângulo fazendo um contratempo com o piano, antes da bateria quebrar tudo e a canção voltar para o andamento inicial.
Só ouvindo para entender e se deixar hipnotizar por todos os elementos que a música carrega.
A canção que da nome ao álbum é um típico samba, de letra linda e que também aborda o desamor. Conta com um coro feminino que da todo um charme a mais.
"Quem vem La" é a pura definição de "Rare Groove" (nome, normalmente relacionado, a gravações raras de funk dos anos 70), sendo a canção mais enérgica do álbum.
Começa com uma guitarra solo com um pedal fuzz, uma distorção bem suja, iniciando os trabalhos para que logo entre em ação a bateria, o orgão, contrabaixo e uma metaleira danada, daquelas que remete ao funk norte americano. Os vocais de Antonio Carlos e Jocafi, são feitos como forma de pergunta, onde um coro feminino responde e aí o bicho pega! Começa uma "fritação" (solo de guitarra com utilização de muitas notas) danada e os vocalizes muito loucos da dupla e moral da história! Som pra cacete! Não tem como não sair dançando e pirando ao ouvir essa vibração maluca e genial.
"Nord West" é mais uma prova da inquietude da dupla e o desejo de surpreender e agradar aos mais diversos públicos em um mesmo álbum. É muita criatividade!
A canção começa de maneira simples, até que vira um country com direito a piano honky tonk, banjo, rabeca e washboard (Instrumentos típicos do gênero), acompanhado de um coro masculino que torna impossível não fechar os olhos e imaginar um indivíduo com um macacão, em Idaho, alimentando os porcos e cuidando da fazenda. Tirada genial!
"Morte do Salve" é um sambão de primeira! Com direito a apito de diretor de bateria, cuíca e uma presença forte do violão e do cavaquinho, tocados pela dupla.
O álbum ainda conta com as canções "Deus o Salve", com a belíssima "Dalena" que tem um toque regional nordestino em um mix com trilha de cinema da década de 50 e fecha com "Bonita".
A dupla segue em plena atividade! Se trata de um show que infelizmente ainda não tive a chance de ver, mas só de ouvir esse álbum e me deixar levar pela vibe, pelos detalhes e por todas as ideias sintetizadas nessa obra prima da nossa música, me faz ter a certeza de que se eu tivesse tamanho poder, deixaria de tentar enquadrar a dupla em qualquer vertente da MPB, mas sim criaria uma nova, um subgênero: "Antonio Carlos e Jocafi", assim como existe a bossa, o samba, o baião....
Sem dúvidas um dos álbuns mais bacanas, e o mais experimental e surpreendente, no que diz respeito a variedades; que já postei nesse site.
Ouça e tire suas conclusões...
Faixas:
01 -- Você Abusou (Antônio Carlos Marques / Jocafi) 02 -- Se Quiser Valer (Antônio Carlos Marques / Jocafi) 03 -- Kabaluerê (Antônio Carlos Marques / Jocafi) 04 -- Conceição da Praia (Antônio Carlos Marques / Jocafi) 05 -- Hipnose (Antônio Carlos Marques / Jocafi) 06 -- Mudei de Idéia (Antônio Carlos Marques / Jocafi) 07 -- Quem vem La (Antônio Carlos Marques / Jocafi) 08 -- Nord West (Antônio Carlos Marques / Jocafi / Alberto Santos Pinheiro) 09 -- Morte do Salve (Antônio Carlos Marques / Jocafi / Ildásio Tavares) 10 -- Deus o Salve (Antônio Carlos Marques / Jocafi) 11 -- Dalena (Antônio Carlos Marques / Jocafi) 12 -- Bonita (Antônio Carlos Marques / Jocafi)
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