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Flora Purim - Flora é M.P.M - 1964


Flora Puim é uma cantora que tem uma história digna de um filme. No que diz respeito a musicalidade é uma cantora fantástica, de uma extensão vocal admirável, voz que tem nuances sutis e ao mesmo tempo mostra muito vigor, quando necessário. Durante muito tempo foi vista, lá fora, como a melhor cantora de jazz em atividade; lembrando que foi contemporânea de algumas de suas maiores influências que eram ninguém menos que Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan. No período em que se vivia o auge da Bossa Nova, Flora começou a carreira cantando nas noites cariocas e paulistas, em troca de cachês módicos, até o dia em que surgiu um Homem que a perguntou qual seria seu maior sonho e ouviu como resposta: - Ir aos Estados Unidos ver os meus ídolos. Mal sabia que o curioso admirador se tratava de um empresário, que a princípio não se identificou, e três dias depois chegou às mãos de Flora passagens de ida e volta, mas Flora foi e não mais voltou. Ainda muito jovem, Flora se mudou para os EUA, onde acabou tendo a chance de estudar música na Califórnia. Já na terra do "Tio Sam", flora conheceu o aclamado baterista/percursionista, brasileiro, Airto Moreira (que fez parte do lendário "Quarteto Novo", cujo álbum já foi publicado neste site), com quem se casou. Flora tem em seu currículo trabalhos com grandes músicos como Stan Getz, Dizzie Guillespie e Gil Evans; tendo também feito parte do grupo "Return the Forever", onde alcançou grande sucesso, até o ano de 1973 onde optou por seguir em carreira solo. Em meio ao sucesso junto ao grupo já citado, eis que começa o drama de sua vida. Flora foi presa em 1971, acusada de porte de drogas, tendo recorrido da sentença e seguido o trabalho com o grupo do qual fazia parte. Quando tudo parecia perfeito em sua carreira, que só decolava rumo ao estrelato, foi presa no ano de 1974 e passou dezoito meses na prisão e mais absurdos doze anos em liberdade condicional, sendo assim impedida de retornar ao Brasil. Houve indignação por conta do caso e isso desencadeou em uma sucessão de protestos por parte, em especial, da classe artística. Mesmo presa, foi eleita durante quatro anos consecutivos como a melhor cantora de Jazz naquele período, parte disso se deu como forma de protesto, mas também pelo seu inegável talento. O álbum que apresento hoje, "Flora é M.P.M" (sigla que significa "Música Popular Moderna", rótulo criado pelo grande baterista Edison Machado, quando fundou o grupo "Rio 65", que foi o embrião do "Samba Jazz") e é datado do ano de 1964, sendo o primeiro trabalho da artista.

Foi gravado por um time de estrelas, contando com músicos que foram, são e sempre serão grandes referências para nós músicos e para os admiradores da boa música. A primeira música é a belíssima "A Morte de Um Deus de Sal" (Roberto Menescal / Ronaldo Bôscoli), já regravada por muitos artistas, mas a versão de Flora sem dúvidas está dentre as mais belas. Todo a finesse do mix entre a Bossa Nova e o Samba Jazz, contando com um início avassalador em um vocalize que de cara já mostra o talento e afinação impecável de Flora. Destaque para o inspiradissimo naipe de sopros, a perfeição do piano (que acredito ter sido gravado por Dom Salvador) e a maravilhosa condução da bateria de Dom Um Romão. Na segunda canção, "Cartão de Visita" (Carlos Lyra / Vinicius de Moraes) é que o "coro come". Samba Jazz de primeira linha. Flora deixa evidente toda a sua versatilidade e mais uma vez o destaque para piano, bateria e naipe de sopros. Linda canção. Na terceira faixa "Sabe Você" (Carlos Lyra / Vinicius de Moraes) se ouve com perfeição e clareza o dedilhar do violão, maravilhosamente executado pela grande Rosinha de Valença, que ganha um primeiro plano, onde Flora mostra uma suavidade sem igual, contando no final com um coro executado pelos instrumetistas. Vale muito ouvir! Outra canção que é puro Samba Jazz é "Se Fosse Com Você" (Waldir Gama), que conta com um instrumental maravilhoso, uma harmonia daquelas que invade a alma. Perfeita! O repertório conta com o fino do que foi composto na época. Mais uma prova disso é a canção "Maria Moita" (Carlos Lyra / Vinicius de Moraes). Uma canção de letra questionável, onde as feministas mais efusivas certamente podem encontrar motivos para odiar: "Nasceu lá na Bahia de mocama confeitor Seu pai dormia em cama, sua mãe no pesador Seu pai só dizia assim "Venha Cá" Sua mãe só dizia sim sem falar, Mulher que fala muito perde logo o seu amor Deus fez primeiro o homem, a mulher nasceu depois E é por isso que a mulher trabalha sempre pelos dois O homem acaba de chegar, tá com fome A mulher tem que olhar pelo homem E é deitada, em pé, mulher tem é, é que trabalhar..." O que surpreende é o fato de ser uma composição com letra de Vinícius de Moraes, "O Poetinha", que em tantas outras canções exaltou o quão maravilhoso é o simples existir da mulher. Mas a canção fez muito sucesso e musicalmente falando é de muito bom gosto. A canção "Reza" (Edu Lobo / Ruy Guerra) que um ano depois foi gravada e eternizada na voz de Elis Regina, no álbum "Samba Eu Canto Assim", tem na versão de Flora um arranjo mais rico em detalhes, com destaque para a bateria de Dom Um Romão e a flauta de Jorginho. Fecho esta postagem com "Samba do Carioca" (Carlos Lyra / Vinicius de Moraes) em que a voz de Flora soa de maneira forte e pungente, como a canção pede; e um dos maiores sucessos, na voz de Flora Purim, que é a canção "Borandá" (Edu Lobo / Ruy Guerra). Com um belo arranjo, Flora fecha a canção com um grave de arrepiar, o que só comprova a tamanha facilidade que a cantora tem de usar seu instrumento, a voz, como bem quer e entende. Esse álbum é um clássico e vale ser apreciado, faça isso! Pena que Flora não tem o reconhecimento que merece, aqui no Brasil, e por conta disso é mais um talento que "perdemos" para o exterior, pois Flora foi e acabou ficando por lá até hoje...

Faixas:

01 – A Morte de Um Deus de Sal (Roberto Menescal / Ronaldo Bôscoli) 02 – Cartão de Visita (Carlos Lyra / Vinicius de Moraes) 03 – Sabe Você (Carlos Lyra / Vinicius de Moraes) 04 – Definitivamente (Edu Lobo) 05 – Se Fosse Com Você (Waldir Gama) 06 – Maria Moita (Carlos Lyra / Vinicius de Moraes) 07 – Hava Nagila (A. Z. Idelson) 08 – Reza (Edu Lobo / Ruy Guerra) 09 – Samba do Carioca (Carlos Lyra / Vinicius de Moraes) 10 – Primavera (Carlos Lyra / Vinicius de Moraes) 11 – Borandá (Edu Lobo / Ruy Guerra) 12 – Nem o Mar Sabia (Roberto Menescal / Ronaldo Bôscoli)

Músicos:

Dom Salvador, Osmar Milito: Piano Jorginho: Flauta Hamilton, Pedro Paulo, Formiga: Trompete Paulo Moura: Sax, Clarinete Jorge Arena, Rubens Bassini: Percussão Norato, Raul de Souza, Macaxera, Pala: Trombones J.T. Meirelles, Cipo: Sax Tenor Netinho, Sandoval, Aurino: Sax Baritono Manuel Gusmao: Baixo Dom Um Romao: Bateria Airton Lima: Fagote Rosinha de Valenca: Violâo


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